Sempre vale lembrar que as pessoas que não residem de maneira regular na Bélgica beneficiam-se, no entanto, de certos direitos. Além dos direitos derivados da Convenção Europeia – Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, como o direito à vida, à integridade física e a um processo equitativo, a pessoa sem documentos tem outros direitos reconhecidos pela lei e/ou pela jurisprudência dos tribunais belgas. Vamos ver quais são eles?
Direito aos Cuidados de Saúde
Na Bélgica, as pessoas sem documentos têm acesso a cuidados de saúde e se beneficiam de uma cobertura médica denominada AMU (Assistência Médica Urgente). Urgência não significa exclusivamente atendimento emergencial. Também inclui tratamentos preventivos, medicamentos ou terapias, consultas com dentista ou médico, sessões de fisioterapia, exames de sangue, cirurgia etc.
A assistência médica urgente deve ser solicitada ao Centro Público de Ação Social (CPAS) da prefeitura onde mora a pessoa sem documentos, que efetuará um inquérito social para determinar se ela não pode pagar pelo tratamento de que necessita. Caso o CPAS dê uma resposta negativa, o estrangeiro sem documentos pode interpor um recurso contra a decisão desfavorável.
Direito à Moradia
O direito à moradia é um direito humano fundamental reconhecido em vários textos internacionais ou regionais. Na Bélgica, é na Constituição (artigo 23.º) que está consagrado o direito de levar uma vida compatível com a dignidade humana, incluindo, em particular, “o direito a uma habitação digna”. Embora a autorização de residência não seja uma condição obrigatória para a locação legal de um imóvel na Bélgica; na prática, o acesso à habitação sustentável e digna para pessoas sem documentos é problemático. Caso a pessoa sem documentos seja vítima de um proprietário inescrupuloso, nada a impede de recorrer à justiça para fazer valer o seu direito a uma habitação digna.
Educação
Na Bélgica, todas as crianças (acompanhadas ou não) dos 6 aos 18 anos têm direito à educação, independentemente, do seu estatuto de residência ou do dos seus pais. Nenhuma taxa será cobrada no momento da inscrição. No entanto, as despesas escolares (refeições, creche, atividades extracurriculares etc.) ficam a cargo dos pais. Para os adultos, a formação profissional e o ensino superior são, na maioria das vezes, inacessíveis às pessoas sem documentos. Algumas ONGs promovem cursos de francês ou neerlandês para pessoas sem papéis.
Auxílio Jurídico
Na Bélgica, todas as pessoas têm direito a uma consulta jurídica inicial gratuita. Pessoas sem documentos também podem se beneficiar da assistência gratuita de um advogado (pro deo) em qualquer área de atuação. Compete aos Serviços de Auxílio Jurídico (Bureau d’aide juridique), que existem junto às diversas Ordens dos Advogados do país organizar as consultas gratuitas e designar advogados dativos. As ONGs de Defesa dos Direitos dos Estrangeiros também fazem esse serviço na área específica do Direito dos Estrangeiros.
Trabalho
As pessoas sem documentos na Bélgica não estão autorizadas a trabalhar e não têm acesso ao mercado de trabalho legal. A autorização de residência é essencial para poder trabalhar legalmente. Além disso, no estado atual das regulamentações regionais e federais, as pessoas sem papéis também não têm acesso ao procedimento de autorização única (trabalho e residência). Atenção! Quando uma pessoa sem documentos trabalha, os seus direitos são protegidos como os de outros trabalhadores, mesmo que a sua estadia seja irregular e os seus benefícios não tenham sido declarados à Previdência Social.
O seu empregador deve, em particular, respeitar os regulamentos relativos ao salário-mínimo na Bélgica, à saúde e segurança no trabalho e ao horário de trabalho. Existem organizações que ajudam trabalhadores com ou sem documentos a fazer valer os seus direitos em caso de conflito com o empregador ou em caso de abuso ou exploração. Cuidado! Se for realizada uma fiscalização numa empresa que emprega pessoas sem documentos, essas pessoas correm o risco de serem presas, detidas num centro fechado e expulsas do território. O empregador corre o risco de sanções penais e administrativas.
Direito à Vida Privada e Familiar
Trata-se de um direito protegido pela Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Assim, uma pessoa sem autorização de residência tem o direito de casar-se ou fazer uma coabitação legal com alguém que tenha documentos no país. A prefeitura não pode recusar a celebração do casamento ou a inscrição da coabitação legal por motivo de um dos parceiros não ter papéis, porém o reagrupamento familiar não será aceito automaticamente. Devem ser respeitadas certas condições para a obtenção de uma autorização de residência baseada em laços familiares.
Dra. Cecília Ronsse Nussenzveig
Formada pela Faculdade de Direito da USP (São Paulo) em 1984. Obteve a equivalência do diploma pela Universidade Livre de Bruxelas (ULB) em 1996
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