Estresse ou crescimento pós-traumático?
Há exatamente um ano, entrávamos no primeiro confinamento. Desde então, vivemos desconfinamentos, reconfinamentos, toques de recolher, uso de máscaras, e restrições à liberdade de movimento e encontros. Todos esses eventos inesperados causaram reviravoltas em nossos cotidianos que deixaram marcas profundas.
Impactos na saúde mental
A crise da Covid-19 tem prejudicado a saúde mental da população belga, que já era preocupante antes da pandemia. As estatísticas da segurança social revelam que entre 2004 e 2018 houve um aumento expressivo de distúrbios psíquicos, principalmente da depressão. Além disso, a mortalidade por suicídio na Bélgica – embora esteja diminuindo – continua alta em comparação com outros países europeus.
Em maio de 2020, quando atingimos o pico da primeira onda, o Conselho Superior de Saúde declarou que as medidas de distanciamento e isolamento social teriam repercussões de longo prazo na saúde mental da população. O mesmo Conselho já previa que uma parcela significativa da população, cedo ou tarde, apresentaria transtornos relacionados ao estresse que, em alguns casos, poderiam evoluir em transtornos de estresse pós-traumático.
Em dezembro de 2020, durante o pico da segunda onda, Sciensano divulgou dados que mostraram que, de fato, a saúde mental dos belgas piorou. Entre os maiores de 18 anos, 64% não estavam satisfeitos com seus contatos sociais, quase o dobro do percentual no ano anterior; 40% sentiram pouco apoio social, com um aumento de quase um terço desde o ano passado. Os transtornos de ansiedade e os transtornos depressivos também aumentaram de maneira significativa.
O que é um estresse pós-traumático?
O conceito de estresse pós-traumático foi evidenciado no começo do século XX durante a Primeira Guerra Mundial. Estima-se que um milhão de soldados sofreram deste distúrbio cujos sintomas se apresentavam de diversas maneiras (paralisia, mutismo, convulsões, surdez, tremores, etc.). Na época, o desconhecimento deste fenômeno levou os profissionais da saúde a considerarem este distúrbio, equivocadamente, como um desejo de fuga; os indivíduos eram considerados traidores, covardes e simuladores. Ainda presenciamos resquícios deste estigma com pessoas que sofrem de ansiedade e depressão.
Atualmente, entende-se o estresse pós-traumático como o resultado de experiências difíceis de vida que trazem consequências negativas nos níveis físico, mental, comportamental e emocional, limitando o funcionamento saudável de uma pessoa. Se as reações de estresse agudo persistirem, um estado de disfunção se desenvolve e, em alguns casos, isso pode levar a um trauma psicológico, também conhecido como transtorno de estresse pós-traumático.
Podemos falar de crescimento pós-traumático?
As pesquisas sobre experiências traumáticas têm se concentrado principalmente nas consequências negativas e, em particular, no transtorno de estresse pós-traumático. Mas nos últimos 20 anos, as ciências sociais têm se interessado cada vez mais pelas consequências positivas, chamadas de fenômeno de crescimento pós-traumático. Um incidente traumático pode ser vivido como uma oportunidade de aprendizado e desenvolvimento pessoal.
Embora o termo seja menos conhecido, a ideia de que um grande sofrimento possa ser ressignificado positivamente é mais comum do que pensamos. Por exemplo: a morte prematura de um pai de família é uma situação traumática. Porém, a família pode se adaptar e crescer através deste trauma se tornando mais unida, empática, dinâmica, etc. A mãe pode desenvolver novas faculdades e se tornar mais independente; os filhos podem se tornar mais responsáveis e aprender a dar mais valor aos momentos em família.
O crescimento pós-traumático é, portanto, a vivência de uma mudança positiva que ocorre durante períodos de crise.
O que aprendemos com a pandemia?
Este crescimento pós-traumático pode se manifestar de diversas maneiras e em várias áreas. Por exemplo:
– uma maior valorização da vida em geral,
– relações interpessoais mais significativas, relações mais calorosas e íntimas com outras pessoas,
– maior confiança no poder pessoal, redefinindo as prioridades,
– uma existência espiritual mais rica,
– reconhecimento e aceitação de novas possibilidades ou caminhos na vida pessoal.
Faça o exercício e questione-se em quais aspectos a pandemia trouxe algo de positivo na sua vida ou quais hábitos não deseja retomar quando a pandemia passar.
Felipe Fernandes Patury
Psicólogo clínico formado pela ULB com especialização em acompanhamento psicológico da parentalidade pela UCL. Possui experiências no meio hospitalar (Hospital Sírio Libanês, CHU Brugmann) e em gabinete privado, trabalhando com etno-psicologia, terapia familiar e de casal, sexualidades, imigração, dependências químicas, desenvolvimento infantil, burnout, depressão, ansiedade, distúrbio bipolar, acompanhamento em cuidados paliativos e cirurgias bariátricas.