Casamento consular ou na Commune?

O nosso Consulado, como se sabe, é o grande Cartório dos brasileiros na Bélgica e em Luxemburgo. Uma das atribuições que exercemos (com muito gosto, por ser momento de alegria) é a de celebrar casamentos entre cidadãos brasileiros. E é preciso que ambos sejam brasileiros para que possam se casar no Consulado.
O casamento consular tem fé pública e é reconhecido como válido desde o dia de sua celebração. Deve ser transcrito, posteriormente, em cartório no Brasil, para se obter a certidão definitiva.
Não existe, ao contrário do que pensam alguns, “estar casado no Brasil” ou “estar casado na Europa”. O casamento é um só. Para se casar de novo, é preciso primeiro dissolver o casamento anterior (por divórcio nos termos da Lei ou por viuvez).
Há uma situação que requer cuidado especial: quando um dos noivos (ou ambos) é binacional, isto é, possui outra nacionalidade além da brasileira. A experiência ensina que, quando um binacional se casa no Consulado, tem muita dificuldade e, mesmo, impossibilidade, no caso de brasileiros-belgas, para registrarem esse casamento diante das autoridades locais.
Diante disso, a solução supostamente fácil (mas na verdade problemática) que alguns encontram é se casar novamente, com o mesmo cônjuge, dessa vez diante da autoridade local (a Commune belga, no caso).
O principal problema é que isso é ilegal. Uma pessoa que já está casada não pode, de acordo com a lei, brasileira ou europeia, casar-se de novo, ainda que com o mesmo cônjuge, sem ter dissolvido antes o casamento anterior.
Lei brasileira é válida e reconhecida internacionalmente
Para a autoridade belga, talvez valha, pelo menos provisoriamente, o casamento na Commune e o consular é ignorado. Para a lei brasileira, porém o primeiro casamento, realizado no Consulado, é o que vale e o posterior é nulo.
Os noivos mudam de nome num casamento, mas não no outro. Mesmo que não mudem, há diferenças entre os países na forma de registrar os nomes (prenome, prenomes adicionais, nome de família), que podem constar de uma forma na primeira certidão de casamento e de outra forma na posterior. Há diferenças no regime de bens válido durante o casamento. A data, evidentemente, é diferente.
Com diferenças no nome e na data de casamento, os problemas se multiplicam. Filhos nascidos na Bélgica, com a certidão de nascimento local, podem ter a mãe com determinado nome que não é reconhecido no Brasil. A certidão de casamento posterior, belga, não poderá ser transcrita validamente no Brasil, uma vez que conflita com o casamento consular anterior.
Os filhos podem, assim, ter dificuldade para obter a nacionalidade brasileira pelas divergências no nome dos pais: terão uma etapa adicional no processo, em que precisarão demonstrar que os nomes diferentes dos pais, nos documentos, referem-se à mesma pessoa. Em casos de herança e inventário, isso pode dificultar o processo. Sem falar na autorização de viagem sem a companhia dos dois genitores. Sem ela, os menores podem ficar retidos no Brasil, sem que a Polícia Federal os deixe partir, quando forem de férias.
Casamento consular é ato legal
Os consulentes, após o segundo casamento local, encontrando essas e outras dificuldades, procuram o Consulado para tentar anular o casamento consular anterior. Isso é impossível, uma vez que o casamento é plenamente válido (atenção! É válido mesmo que não tenha sido transcrito em cartório brasileiro!). Daí eles se irritam e reclamam do Consulado, como se estivéssemos querendo dificultar a vida deles. Na verdade, sempre queremos facilitar dentro da lei.
O casamento consular é válido não só no Brasil, mas na Europa também.
As autoridades europeias podem ignorar o casamento consular, ou recusar-se a registrá-lo mas, em caso de disputa judicial (separação, divórcio, guarda dos filhos, divisão do patrimônio, herança etc.), uma das partes pode invocar o casamento brasileiro, e a outra, o casamento belga. As complicações judiciais são potencialmente infindáveis, mas só quem ganha com isso são os advogados e cartórios.
Por tudo isso, o Consulado desestimula fortemente qualquer brasileiro que possua uma nacionalidade europeia ou pretenda adquiri-la a proceder ao casamento consular. No caso da nacionalidade belga, não celebramos, para não contrariar a jurisprudência local.
Caso o binacional brasileiro e europeu insista e proceda ao casamento consular, em nenhuma hipótese, sublinho, em nenhuma hipótese deverá casar-se de novo, diante da autoridade local, enquanto o casamento anterior não for dissolvido por divórcio ou falecimento do cônjuge.
O que o binacional casado no Consulado deve fazer é insistir para transcrever o casamento consular na Commune, com as datas e nomes exatos que constam da certidão de casamento brasileira. Caso isso seja negado e os mesmos noivos desejarem ter um casamento facilmente reconhecível pelas autoridades locais, eles deverão providenciar o divórcio no Brasil e, só depois, casarem-se de novo na Commune.
Em resumo, o melhor curso de ação para os brasileiros binacionais que pretendem se casar no Exterior é o casamento perante a autoridade local, no caso da Bélgica a Commune. E, depois, não se esqueçam de registrar no Consulado a certidão da Commune, e de transcrevê-la em Cartório no Brasil na primeira ocasião.

 

Embaixador Cônsul – Achilles Zaluar

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