Emigrar implica pular para o desconhecido e encarar diversas dificuldades, sejam elas financeiras, linguísticas, administrativas, jurídicas ou culturais. Além da discriminação e exclusão social que os imigrantes podem sofrer no país no qual imigraram, a imigração pode resultar em traumas psicológicos.
Num primeiro tempo, existe uma confrontação entre as expectativas construídas antes de emigrar e a realidade da imigração. Os migrantes devem navegar novos costumes e se integrarem, como podem, na cultura local. A distância física e a mudança de quadro cultural resultam numa ruptura de vínculos familiares, de amizade e profissionais. A perda da rede de apoio do país de origem pode ser um momento traumático.
Integrar-se na cultura local
Diante deste trauma, o migrante constrói novos vínculos sociais através da aculturação e dentro da sua comunidade cultural. A aculturação, processo pelo qual um grupo ou indivíduo assimila uma cultura diferente, é fundamental para a boa integração dos migrantes. Os indivíduos que recusam a aculturação podem se tornar mais céticos à cultura alheia e tendem a se isolar em círculos sociais fechados ou guetos. Longe de ser somente um conceito negativo, o gueto pode representar um ambiente seguro onde pessoas que compartem a mesma cultura e códigos sociais podem recriar uma identidade calcada na cultura do país de origem. O gueto se torna uma rede de apoio onde esses indivíduos se ajudam e estabelecem novos laços sociais. Em contrapartida, esses ambientes podem se tornar aprisionantes quando a comunidade de migrantes rejeita o modo de vida local. Esse aspecto pode trazer vários problemas sociais e psicológicos, principalmente na esfera familiar.
Quais impactos na dinâmica familiar?
Uma das questões mais recorrentes no âmbito familiar é a parentificação da criança. Esse fenômeno se refere à inversão de papéis entre pais e filhos. A criança parentificada é aquela que cuida do bem-estar de seus pais ou irmãos seja no âmbito físico ou emocional. Ela se torna responsável pelas tarefas domésticas, educador do mais novo, protetor dos pais, confidente, mediador e pacificador.
No contexto da imigração, a criança parentificada é aquela que deve constantemente resolver os problemas dos pais relativo à incompreensão da língua ou códigos culturais. A criança, sendo o indivíduo mais propício a assimilar os códigos sociais e a língua, se torna uma ponte cultural para os pais. Longe de ser um fenômeno patológico, a parentificação pode ser vista como um processo importante na socialização da criança que permite desenvolver responsabilidade, habilidades de resolução de problemas e sensitividade ao mundo dos adultos. Porém quando a criança tem responsabilidades acima de suas competências, este processo pode se tornar uma fonte de ansiedade e depressão.
Procure ajuda!
Os desafios psicológicos dos imigrantes são diversos e complexos. É fundamental procurar uma ajuda psicológica adequada o quanto antes para prevenir que um transtorno mental se torne severo ou crônico. Independentemente da documentação e condição socioeconômica, todo imigrante pode obter uma ajuda psicológica, seja através de gabinetes privados, hospitais públicos, planning familial, via o CPAS, a mutuelle ou de diversas ONGs como Exil ASBL, Ulysse ASBL, Aquarelle ASBL e a associação pelos direitos dos estrangeiros (ADDE ASBL). A OMS define a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”.
Não negligencie a sua saúde mental!
Dr. Felipe Fernandes Patury
Psicólogo clínico formado pela ULB com especialização em acompanhamento psicológico da parentalidade pela UCL. Possui experiências no meio hospitalar (Hospital Sírio-Libanês, CHU Brugmann) e em gabinete privado, trabalhando com ethno-psicologia, terapia familiar e de casal, sexualidades, imigração, dependências químicas, desenvolvimento infantil, burnout, depressão, ansiedade, distúrbio bipolar, acompanhamento em cuidados paliativos e cirurgias bariátricas.