Não aprendi dizer adeus

Agradeço muito à Ângela Piqui a oportunidade de escrever aqui estas linhas de despedida. Dia 30  de agosto, deixo minhas funções na Bélgica e no Luxemburgo e regresso, de vez, para o Brasil.  

A temporada foi curta, infelizmente. Mesmo assim, saio com a sensação de ter contribuído para oferecer à cidadania o melhor dentro das possibilidades. Pus um tijolo na nossa construção. 

Foram 50 anos e meio de trabalho no Itamaraty e, nesse longo percurso, 27 anos e 8 meses passados fora do Brasil, com regressos a Brasília intercalados, naturalmente. Na Europa, foram 19 anos e 8 meses, o que me deixa com uma visão bastante abrangente da presença do Brasil no continente e do perfil genérico da comunidade na região. 

Nunca consegui sair sem deixar pedaços. Nem eu nem minha família. A gente faz força para não enraizar mas nunca consegue. Cada saída é uma arrancada doída por dentro e até por fora, quando a gente sem querer somatiza e fica com alergia, com dor de cabeça, etc. Aprendi muito, mas certamente não a me despedir sem sofrer. 

A atividade consular, de que me ocupei por 7 anos e meio, em Lisboa, Paris, Bruxelas e Luxemburgo compõe-se basicamente de duas vertentes: uma cartorial, outra de apoio à cidadania. O desafio da primeira consiste na busca de melhorar a qualidade e a eficiência na prestação de serviços; na outra, a coisa é bem mais complexa, pois tem a ver com a prestação de todo tipo de apoio e assistência num contexto crescentemente hostil.   

Infelizmente, não há muitos parâmetros a seguir de forma automática. Cada posto tem um perfil de usuários a demandar respostas específicas. É claro que as necessidades são sempre semelhantes, mas as condições para prover as respostas variam em função de fatores locais e conjunturais.  

A introdução do sistema de atendimento em rede ajudou e ajuda muito. A informática tem sido peça-chave para enfrentar o enorme aumento de demanda que os postos no exterior passaram a receber, primeiro, com a queda nas atividades econômicas na década de 80, depois com a crise que ainda não cedeu como se esperava.  

Ao contrário do que ocorre em países mais desenvolvidos, entre nós não é usual o poder público se antecipar às demandas da população e ir preparando respostas. A infraestrutura urbana, por exemplo, nunca precede a chegada da favela; é sempre o contrário: a favela se instala e um dia o poder público reage. Na área consular, da mesma maneira, nem sempre conseguimos nos antecipar em relação ao que teremos que prover em alguns anos. Os recursos tecnológicos, financeiros e humanos chegam depois, inclusive porque sempre temos a esperança de que dias melhores hão de segurar mais o brasileiro em seu país.  

Em Bruxelas, encontrei uma equipe de enorme qualificação. São funcionários tarimbados, dispostos a produzir bem. Conhecem leis e até dispensam orientações técnicas. Com isso, vi-me mais livre para tentar planejar o dia seguinte, para tentar antever soluções para problemas que ainda não se consubstanciaram. Conversei muito com os brasileiros. Às vezes acertei, outras não. Agradeço a todos que me ajudaram! 

Na parte de assistência, tentei amiudar a presença no Luxemburgo,  as visitas a presos, a presença em eventos comunitários, geralmente preparados pelo Conselho de Cidadania, que procurei apoiar na medida do que me permitiram os recursos disponíveis.  

O problema da cidadania é bem complexo: há no mundo uma tendência a apertar os controles sobre a imigração e os consulados só podem atuar no limite da lei local. Não se pode impor ao Estado que receba um trabalhador não autorizado. O espaço de manobra é, então, estreito e tende a se fechar mais. Temos que ampliar o apoio legal aos brasileiros, mas o ideal será a retomada do crescimento econômico no Brasil, única forma de desencorajar saídas. 

O Brasil tem uma espécie de grude que agarra e não solta. Nossa cultura é forte, é plural, nos mantém e alimenta, abrindo muitas portas. É instrumento precioso de intercâmbio, promoção e emprego.  Somos um país em permanente construção e o serviço consular espelha bem essa realidade e deve continuar a usar a carta cultural como fator de atenuação de restrições. 

Não tenho dúvida de que meu sucessor fará mais e melhor do que eu. Desejo-lhe sucesso e a todos os brasileiros, saúde e força. Nunca desgrudem do Brasil! Ele, sim, é nosso! 

Agradeço-lhes pelo carinho e louvo a força da comunidade da qual me orgulho e me orgulharei sempre. Faço votos de que haja mais união para enfrentar tempos difíceis. Somos uma gente incrível, admirável e sofrida, que merece viver melhor em sua própria terra, sem ter que aprender a dizer adeus.  

Embaixador Julio Cezar Zelner Gonçalves, Cônsul-Geral 

Coquetel 

No dia 13 de agosto, foi oferecido um coquetel  de despedida do Embaixador Cézar Zelner e do Cônsul-adjunto Ricardo Primo. Ambos efetuaram trabalho exemplar em seus postos e deixaram a jurisdição do Consulado Geral do Brasil em Bruxelas. Veja algumas fotos do momento e confira também no site da revista online www.abclassificados.com. 

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