Antes de abordar esse assunto, esclareço que não há nenhuma anistia em vista para as pessoas em situação irregular. Como nós advogados somos consultados frequentemente sobre “como dar entrada na comuna”, penso ser pertinente fornecer as explicações que se seguem.
Em princípio, o estrangeiro que queira passar mais de três meses na Bélgica deve apresentar um pedido de autorização junto da repartição diplomática ou consular belga do seu país de origem. Só depois de concedida essa autorização é que a pessoa pode residir na Bélgica.
O artigo 9 bis da Lei dos Estrangeiros prevê uma derrogação a esta regra processual que permite, em determinadas circunstâncias, apresentar o pedido sem que a pessoa tenha que retornar ao país de origem.
Para fazer esse pedido, o estrangeiro deve possuir um documento de identidade (passaporte ou cédula de identidade).
Concretamente, o pedido consiste em uma carta registrada enviada ao Prefeito do local de residência do estrangeiro.
Do ponto de vista processual, a única coisa que é feita a nível da Prefeitura é o controle da residência efetiva. A polícia passa no endereço declarado para verificar que o(s) requerente(s) mora(m) mesmo lá.
Sendo o controle de residência positivo, o pedido é encaminhado para o Serviço dos Estrangeiros, que é uma autoridade federal.
A decisão do Serviço dos Estrangeiros comporta duas fases: a admissibilidade e o mérito.
A decisão sobre a admissibilidade diz respeito às circunstâncias excepcionais invocadas.
A lei não define as circunstâncias excepcionais que um estrangeiro deve demonstrar para poder apresentar um pedido com base no artigo 9 bis. Segundo o Conselho de Estado, o estrangeiro deve “demonstrar que lhe é particularmente difícil regressar para solicitar a autorização referida no seu país de origem ou num país onde esteja autorizado a permanecer”. “A excepcionalidade das circunstâncias alegadas pelo estrangeiro deve ser examinada pela autoridade em cada caso concreto”.
A lei exclui todavia algumas circunstâncias excepcionais. Trata-se basicamente daquelas que já foram invocadas no âmbito de um pedido de asilo rejeitado ou no âmbito de um pedido de regularização por motivos de ordem médica.
O Serviço dos Estrangeiros tem amplo poder discricionário quanto a essas circunstâncias excepcionais, não havendo critérios fixos. No entanto, no âmbito do seu poder discricionário, a administração está autorizada a definir orientações. Se, num caso concreto, a administração optar por não aplicar estas orientações, deve explicar os motivos: ou que essas orientações se tornaram ilegais ou obsoletas, ou que a situação não se enquadra no seu âmbito de aplicação.
Atualmente, as seguintes situações são suscetíveis de constituir as circustâncias excepcionais:
• Procedimento de asilo demasiado longo (3 anos para famílias com crianças, 4 anos para uma pessoa ou uma família sem crianças);
• Um estrangeiro que foi autorizado ou admitido a residir de forma ilimitada na Bélgica quando era menor e que regressou ao seu país de origem (à força ou não) e que não pode pleitear o direito de regresso (trata-se de menores retidos abusivamente no país de origem com vista, por exemplo, a um casamento forçado);
• Cônjuges de nacionalidades diferentes e oriundos de países que não aceitam este tipo de reagrupamento familiar e cujo afastamento para os respectivos países de origem implicaria a separação da família, sobretudo quando têm um filho comum;
• Estrangeiros titulares de uma pensão de aposentadoria ou de invalidez concedida pelo Estado belga, mas que tenham perdido o direito de permanência na Bélgica após o regresso ao país de origem;
• Pai ou mãe estrangeiro de uma criança em situação regular no país.
Em seguida, há o exame de mérito do pedido de regularização. Os motivos quanto ao mérito podem ser os mesmos que justificam as circunstâncias excepcionais de admissibilidade.
Convém juntar o máximo de documentos possível ao pedido de regularização.
Quando a circunstância excepcional diz respeito ao direito de viver em família, se o pai ou a mãe não vive sob o mesmo teto com o filho menor, é preciso demonstrar que a relação familiar é efetiva.
Se o requerente é suscetível de ser considerado uma ameaça à ordem pública (condenação penal, por exemplo), o Serviço dos Estrangeiros procederá a um exame de proporcionalidade. A regularização poderá ser concedida se os fatos forem antigos e se os danos causados pela separação da família forem desproporcionais em relação à real ameaça à ordem pública.
Dra. Cecília Ronsse Nussenzveig
Formada pela Faculdade de Direito da USP (São Paulo) em 1984. Obteve a equivalência do diploma pela Universidade Livre de Bruxelas (ULB) em 1996
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