Mesmo as brigas conjugais sendo erroneamente consideradas inevitáveis, a vida de casal sem brigas é possível. Na relação amorosa, investimos muito, revelamos nossa intimidade e compartilhamos um cotidiano, o que gera momentos de aborrecimento e possíveis atritos. Há quem diz que as brigas são sinais de uma boa saúde conjugal ou da perpetuação da paixão. Todavia, o que percebemos é que as brigas reiteradas levam os casais a se considerarem inimigos em vez de companheiros. No longo prazo, é fundamental desenvolver o hábito de discutir sobre os assuntos que incomodam sem se machucar, sem ser violento e, acima de tudo, sem colocar em dúvida o amor.
Muitos casais reclamam de brigas que se repetem, às vezes por anos. Essas repetições existem tanto no conteúdo (distribuição de tarefas domésticas, educação dos filhos, ciúmes, etc.) como na forma (gritos, violência, silêncios, olhares, etc.). Reconhecer os elementos recorrentes é o primeiro passo para compreender as causas profundas por trás dos desacordos.
Por que as brigas se repetem?
Eventos aparentemente banais podem despertar antigos conflitos mal resolvidos. Por exemplo, as tarefas domésticas são assuntos recorrentes. Migalhas de pão no chão ou meias jogadas pelo quarto são suficientes para iniciar uma milésima discussão. Com o passar do tempo, pequenas irritações podem se acumular e agravar, mudando de significado. O que é inicialmente visto como uma falta de organização (migalhas de pão, meias pela casa, etc.), com o tempo, pode ser interpretado de outras maneiras (falta de consideração, de respeito, de implicação, etc.). Sem uma ação corretiva, se estabelece uma dinâmica conflitual que resulta em uma escalada progressiva de tensões, consolidando rancores e amargando a convivência.
Comunicação não violenta
Com o tempo, as brigas se tornam sintomáticas de problemas mais profundos. Ao chegar nesse ponto, é importante saber discernir o comportamento que nos fere e explicar os nossos sentimentos. Devemos parar de acreditar que o outro é telepático, capaz de adivinhar quando estamos nos sentindo mal. Portanto, é preciso se distanciar do debate superficial e evitar uma postura acusatória de forma a aprofundar a compreensão das raízes do conflito.
A comunicação não violenta é uma técnica de comunicação baseada na empatia, na compaixão e no respeito. Ela pode permitir ao casal quebrar as dinâmicas enraizadas do rancor e do desentendimento mútuo. Depois de uma briga, analise a situação, respondendo às seguintes perguntas.
Três perguntas para entender uma briga
1) O que o outro está fazendo – ou não fazendo – que me incomoda ou machuca tanto?
2) Que comportamento isso provoca em mim (caretas, gritos, etc.) ?
3) Que emoção está por trás dessa reação (tristeza, vergonha, medo, etc.)?
Em seguida, num momento tranquilo, tente explicar ao seu parceiro porque você reagiu tão fortemente. Explique a situação de maneira objetiva e sem julgamentos, indicando suas emoções e expressando as suas necessidades. Finalmente, apresente um pedido concreto e realizável, feito de forma positiva, que atenda às suas expectativas.
Quando pedir ajuda profissional?
Embora a terapia de casais seja geralmente voltada para momentos de crise, ela também pode ajudar casais com problemas leves de comunicação ou que sofrem de brigas crônicas. Na grande maioria dos casos, os casais esperam estar prestes a se separar para iniciar uma terapia. Todavia, as relações conjugais tornam-se mais complexas com o tempo. Portanto, é importante consultar antes que a convivência se torne insuportável. Quanto antes o casal procurar ajuda profissional, maior será a eficácia da terapia.
Felipe Fernandes Patury
Psicólogo clínico formado pela ULB com especialização em acompanhamento psicológico da parentalidade pela UCL. Possui experiências no meio hospitalar (Hospital Sirio Libanes, CHU Brugmann) e em gabinete privado trabalhando com ethno-psicologia, terapia familiar e de casal, sexualidades, imigração, dependências químicas, desenvolvimento infantil, burnout, depressão, ansiedade, distúrbio bipolar, acompanhamento em cuidados paliativos e cirurgias bariátricas