Na história da Bélgica ocorreram três campanhas de regularização “massivas” nos anos de 1974 e 2000, sendo a última em 2009.
Existe um grande movimento social formado por grupos que são representantes de vários países do mundo com o mesmo objetivo: lutar pelos direitos dos seus compatriotas que residem na Bélgica de forma irregular e em condições inumanas.
Dentre estes grupos, os que mais se destacam pelo seu maior número são os Magrebinos, cidadãos provenientes do norte da África, região composta por cinco países e mais o Saara Ocidental. Sendo eles: Líbia, Tunísia, Marrocos, Mauritânia e Argélia.
Atualmente na Bélgica estima-se que o número de imigrantes brasileiros ultrapassam os 60 mil, e a grande maioria não se encontra legalizada no país. A situação dos brasileiros não é diferente da de outras dezenas de comunidades, e por este motivo um grupo de brasileiros se uniu a esta causa.
Grupo de Brasileiros em Bruxelas se une à causa em prol dos “sem papéis”
Maria José Freire, brasileira, natural de Goiânia, é militante da causa desde o ano de 2004, e participou ativamente da conquista da anistia em 2009. Ela é uma das dez integrantes do grupo dos brasileiros que estão lutando pela próxima anistia, o Collective Regularisation Brésilien en Belgique; eles se aliaram a outras nacionalidades para ajudar os que “não têm voz”. O grupo possui três grupos de WhatsApp onde são trocadas informações, e atualmente participam mais de 700 pessoas.
ABclasificados – Por que vocês decidiram se unir à causa?
Maria José Freire – Queremos que todos tenham direitos a uma vida digna, já que todos residem no país, mas vivem com medo de tudo, não têm direito a hospitais, às vezes são explorados em trabalhos escravos, sim, escravos, pois o trabalhador levanta às 5h da madrugada e trabalha em média 10 horas por dia, na maioria dos casos sem equipamentos adequados, com salários de 8 euros a hora e para chegar no final do mês ainda não receber e não ter a quem denunciar, a quem recorrer, é muito triste.
ABclasificados– Quais seriam os pontos positivos para o governo se ele concedesse mais uma vez a anistia para os imigrantes ilegais?
Maria José Freire – Primeiramente gostaria de deixar claro que lutamos pela regularização de trabalhadores que já estão ou têm a intenção de se integrar no país, pedimos uma oportunidade e isso não seria gratuito, isso aumentaria a arrecadação de impostos pagos pelo trabalhador, existem setores que estão com mãos de obras escassas, então por que não facilitar a vida dos que têm interesse em somar no país?
ABclasificados – Como surgiu a ideia de retomar a luta por esta causa?
Maria José Freire – Eu acabo de retornar do Brasil, convoquei uma assembleia informativa onde surgiram muitos conterrâneos interessados em se juntar à causa. Nós criamos grupos de WhatsApp, atualmente compostos por mais de 700 pessoas, todos conectados na busca por um só ideal. Com a aparição do COVID-19, fica mais fácil a compreensão da situação dos imigrantes sem papéis: muitos não puderam parar de trabalhar nesta quarentena, e quem foi obrigado a parar, passou necessidades; muitos precisaram de ajuda para viver, outros perderam suas casas por falta de recursos financeiros, se viram obrigados a viverem amontoados em pequenos metros quadrados com outros compatriotas que estavam na mesma situação, todos à mercê da própria sorte ou sobrevivendo da misericórdia de doações de cestas básicas.
Gostaria de ressaltar que essa luta não é só do BRASILEIRO, a luta é de todas as NACIONALIDADES, não somos melhores que ninguém, estamos todos no mesmo barco. Aqueles que levantaram a bandeira contra o movimento, dizendo que isso é só um sonho, seguramente estão sentados no sofá de suas casas com a vida resolvida.
Quem tiver interesse em participar, por favor, entre em contato pelo número de WhatsApp: 0467 75 331-Maria / 0465546063-José Roberto, ou pela página do Facebook do grupo Collective Regularisation Brésilien en Belgique.
“Nós que não possuímos documentos vivemos como fantasmas, somos invisíveis aos olhos dos governantes. Apesar de ignorarem a nossa existência quando lhes convém, na verdade, eles sabem que somos nós que fazemos os serviços que muitos belgas não querem fazer”. Jane Penedo, natural de Belém do Pará, residente na Bélgica há dois anos.
Você sabia?
- Muitos trabalhadores sem documentos têm um emprego. Eles vivem do seu trabalho e não da ajuda do CPAS.
- Todos os “sem papéis” contribuem e pagam impostos ao estado belga, os 21% TVA.
- Muitas mulheres sem documentos geralmente trabalham como babás para famílias belgas ou europeias.
- Os migrantes sem documentos podem perder o emprego da noite para o dia, sem aviso prévio, e não têm direito ao seguro desemprego.
- Quando um migrante sem documentos fica doente, ele não tem licença médica e corre o risco de perder o emprego.
- Filhos de indocumentados menores de 3 anos não podem se registrar em uma creche.
- Os filhos dos migrantes indocumentados não podem deixar o território belga para realizar atividades escolares com seus colegas de classe.
- Os filhos de migrantes indocumentados, depois de atingirem a maioridade, não podem ir para Universidade.
- Muitas crianças indocumentadas nasceram na Bélgica ou em outros países europeus.
- Os migrantes sem documentos vão presos em centros belgas ou europeus fechados, mesmo sem terem cometido atos criminosos ou delinquência.
- Muitos migrantes sem documentos não podem deixar a Europa por causa da guerra e da violência que existe em seu país de origem.
- Muitos migrantes sem documentos não podem deixar a Europa devido às doenças e epidemias que existem em seu país de origem.
- Os sem papéis têm enormes dificuldades em encontrar acomodações decentes e ter um contrato de aluguel.
- Se um migrante sem documentos sofre roubo ou ato violento, ele não tem onde procurar ajuda.
Ponto de vista jurídico da situação pela advogada Dra. Ticiana Cesar de Noronha
ABclassificados – Na sua experiência como advogada, qual sua opinião sobre o estado atual dos imigrantes irregulares que reivindicam sua legalização na Bélgica? Por quê?
Dra. Ticiana – Tenho recebido diversos telefonemas de clientes e “potenciais” clientes perguntando se, realmente, é verdadeiro o “boato” que vem circulando pela comunidade brasileira na Bélgica de que haveria uma “regularização em massa” dos estrangeiros em permanência ilegal/irregular na Bélgica, os conhecidos “sem papéis”. Alguns fazem menção à crise do Covid19, outros ao fato de que já faz dez anos da última regularização (ocorrida em 2009; bem como à anterior a esta em 2000), e há quem traga o fato de Portugal ter concedido alguns direitos àqueles que já haviam introduzido o processo junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF); e por aí vai.
O fato é que cada país membro a União Europeia é, em princípio, livre para instituir sua política de imigração conforme suas prioridades, desde que respeite a legislação da UE. Ademais, as matérias que regem os direitos de nacionalidade e residência são bastante específicas, ou seja, não é porque Portugal instituiu o Despacho n. 3863-B/2020, que veio a beneficiar os estrangeiros que lá estão, que a Bélgica seria obrigada a fazer algo similar.
Sabemos que a população estrangeira na Bélgica, principalmente a comunidade brasileira está com “sede” de uma nova regulamentação que venha a regularizar a situação precária em que muitas dessas famílias se encontram. Entretanto, não acredito ser este o momento propício para o governo belga instituí-lo. Há alguns anos que a Bélgica vem recrudescendo as medidas, normas e regulamentos para a legalização de um estrangeiro aqui, como por exemplo o aumento das exigências para o reagrupamento familiar, a co-habitação (criando a imposição de provar dois anos de convivência anterior a mesma), bem como a criação do filtro medical para a regularização através do artigo 9ter da Lei dos estrangeiros.
ABclassificados – Portugal facilitou o acesso dos estrangeiros a alguns direitos, você acredita que existe a possibilidade da Bélgica seguir este exemplo?
Dra. Ticiana – De fato, a Bélgica, sendo um país tão pequeno em extensão territorial é um imenso complexo político para ser governado. Para se ter uma ideia da situação em que a Bélgica se encontra, após mais de um ano das últimas eleições para o governo federal, a Bélgica ainda não conseguiu formar o novo governo, o que na prática impede o governo anterior, que segue gerindo, de criar qualquer política que necessite um novo orçamento. Desta forma, não há como se visionar uma regularização dos imigrantes em situação precária.
Em suma, o momento atual não é o propício para uma regularização em massa e se você fizer o que pessoas desinformadas estão aconselhando a comunidade brasileira a fazer o máximo que irá conseguir é uma ordem de quitar o território belga (OQT), ou seja, a famosa “carta de expulsão”. Não se deixe enganar, quando o momento chegar, você saberá procurar um profissional sério para cuidar do seu processo.
E você, caro leitor, o que opina de toda esta situação?
Por Tatiana do Amaral