Escassez ou Abundância na mão de obra doméstica?
Após a publicação de uma chamativa notícia no veículo de comunicação RTL INFO sobre a falta de mão de obra na área de prestação de serviço doméstico nas empresas belgas em Bruxelas, nossa equipe de reportagem se dispôs a elaborar uma pesquisa detalhada com as empresas da área de Titres Services (serviço doméstico) voltadas para a nossa comunidade lusófona para contrastar a opinião e comparar se realmente existe escassez do serviço doméstico no mercado laboral, e o resultado foi um pouco curioso devido às controvérsias e opiniões diferenciadas que variam de uma empresa para a outra.
Quando esse tipo de oferta laboral foi criada, há 20 anos, foi uma excelente solução que o governo encontrou para integrar os trabalhadores ilegais no mercado de trabalho, no sistema de saúde, no plano de pensão, ou seja, em tudo o que diz respeito à inclusão social do país, porém essa geração já se aposentou e atualmente as condições de trabalho são menos atrativas e os empregadores estão cada vez mais exigentes. Atualmente na Bélgica existem aproximadamente três mil empresas no ramo de Titres Services.
Empresárias da comunidade lusófona dividem opiniões sobre o tema e relatam suas experiências
Maria H. Oliveira, de nacionalidade portuguesa, proprietária de uma empresa nesta área de Titre Service há mais de 10 anos (ela prefere não se identificar com sua imagem e nem citar o nome de sua empresa por motivos pessoais, pois teme por represálias), afirma que não pode se calar diante da catastrófica situação que vem enfrentando, pois passa pelos mesmos problemas que as empresas belgas, como falta de mão de obra, e nos explica que esse sistema do governo é falho e deixa muito a desejar.
A.P – Em sua opinião, quais os principais motivos dessa falta de mão de obra nas empresas de Titres Services?
Maria H. Oliveira – Acredito que, em primeiro lugar, vem a falta de honestidade de muitos trabalhadores que aprenderam como burlar o sistema; existe muita fraude, muitos já entenderam como funciona, eles se encostam no governo e cobram por estarem inscritos no chômage ou na mutuelle (plano de saúde), que cobre as licenças médicas, mas não param de trabalhar, eles continuam trabalhando ao negro, para ganharem duas vezes, afinal, quem não quer ter um salário em dobro?
A.P – Como sua empresa vem lidando com essa situação?
Maria H. Oliveira – Esta semana não consegui encontrar dois trabalhadores para um cliente que ofertou um contrato de 38 horas semanais, estamos com muitas vagas que não são preenchidas e muitas das vezes as poucas funcionárias que temos precisam se desdobrar para não perdermos nossos clientes, pois eu mesmo já perdi a conta de quantas substituições tive que fazer neste mês que passou para não deixá-los desatendidos.
A.P – Quais são suas expectativas para o próximo ano e por quê?
Maria H. Oliveira – Eu não vejo uma solução em curto prazo, pois seria necessário um endurecimento no sistema, não é difícil um funcionário se encostar pela mutuelle, chômage ou CPAS, que são os três caminhos mais comuns, porque em muitos casos, como citei acima, mesmo encostados e recebendo um salário ou uma ajuda, trabalham no negro. Além disso, existem muitos outros casos de empregados que, depois que se acostumam com a família contratante, continuam trabalhando de comum acordo sem declarar, e a empresa de Titres Services sai no prejuízo, pois perde a funcionária e o cliente. Sem contar sobre o mercado de vendas dos tickets de serviços, um assunto que ocuparia algumas páginas da revista, pois é outro tipo de fraude contra o sistema do governo que ocorre frequentemente, devido à dificuldade de fiscalização da identidade do trabalhador quando chega no local de trabalho. Para que vocês possam me compreender mais claramente: no Brasil, isso se enquadraria numa conduta criminosa de falsidade ideológica.
Para a empreendedora brasileira Rita Milhomem, residente na Bélgica desde o ano de 1993, hoje dona de duas empresas de Titres Services no país, a situação é diferente, ela afirma que não encontra dificuldades para encontrar mão de obra para esse tipo de trabalho.
A.P – Como está sendo esse ano de pós-pandemia para suas empresas no setor de contratação?
Rita Milhomem – Nunca tive dificuldades em encontrar mão de obra, trabalho com diferentes nacionalidades, houve apenas um mês muito preocupante que foi em abril, mas depois as coisas foram melhorando e obtivemos um crescimento de 30% comparado com o mesmo período de 2019, antes do início da pandemia. Apenas 10% dos parados das minhas empresas estão relacionados com a Covid-19. Eu não fui afetada nesse setor como cita a reportagem do RTL INFO.
A.P – Com toda essa crise no setor das empresas belgas, o que você acha que te difere deles, já que você não notou essa escassez?
Rita Milhomem – Sou muito próxima dos meus funcionários, eles são minha prioridade, não que o cliente não seja, mas eu já conheço todo o drama do trabalho na limpeza, de como somos tratadas, pois quando cheguei aqui foi assim que comecei. Então quando alguém escolhe minha empresa entre tantas outras no mercado, me sinto muito privilegiada, acredito que o tratamento digno e a empatia são à base de tudo. Grande parte das empresas do país, sejam elas belgas ou de outras nacionalidades, não tem esse tato, esse feeling, acredito ser isso o que me difere das demais, e não poderia de me esquecer de mencionar a confiança, porque esta é a base de todos que trabalham comigo.
A.P – Com tantos anos de experiência no setor, onde você acha que poderia haver melhorias e por quê?
Rita Milhomem – Eu acredito que, já que as empresas estão com esse déficit de mão de obra, o governo deveria legalizar mais pessoas que se encontram em situação irregular no país para suprir essa carência. Porém, também concordo com a indignação e as queixas sobre as fraudes contra o sistema do governo mencionadas por Maria H. Pereira. O governo deveria enrijecer mais as leis e as fiscalizações, porque infelizmente em todo lugar tem pessoas que agem de má fé, mas não podemos generalizar porque ainda existem pessoas boas, honestas e trabalhadoras esperando por uma oportunidade, então, em minha opinião, é mais uma questão de reorganizar o sistema e ter leis mais firmes com penalizações mais severas para os infratores, sob pena de multa ou até de expulsão em caso de reincidência, não podemos nos esquecer de que somos imigrantes e temos que nos adaptar segundo as leis do país.
Por Tatiana do Amaral