Direitos civis – Interrogatório policial: conheça os seus direitos

Quem nunca ouviu a célebre ladainha dos filmes e séries americanos declamada quando um policial dá voz de prisão a um cidadão: “Você tem o direito de permanecer calado, tudo o que disser poderá ser usado contra você num tribunal.” Esse direito ao silêncio não era reconhecido na Bélgica até o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pronunciar o acórdão  SALDUZ no processo Salduz c/ Turquia. O tribunal considerou que a Turquia não havia proporcionado ao menor Yusuf Salduz um justo processo penal por não ter permitido que ele beneficiasse da assistência de um advogado desde o princípio do interrogatório policial. 

A Bélgica adaptou a sua legislação em 2011 e em 2016 para se conformar com as diretrizes traçadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. 

O direito ao silêncio e à assistência de um advogado aplica-se a partir do momento em que a pessoa é confrontada a um processo penal. Aplica-se não apenas aos interrogatórios feitos pela polícia, mas também aos interrogatórios feitos pela Inspeção das Leis Sociais, o Ministério da Economia, a Agência da Segurança Alimentícia (AFSCA), etc. 

O desrespeito das disposições Salduz durante um interrogatório pode levar à anulação do depoimento, tornando-o inapto a servir de base à condenação da pessoa que deu o depoimento. 

O primeiro princípio da Lei Salduz é o direito de ser assistido por um advogado, qualquer que seja a qualidade da pessoa interrogada (suspeito, vítima ou testemunha). A pessoa não é obrigada a comparecer acompanhada de um advogado, mas ela tem que ser informada a respeito do seu direito de ser assistida por um advogado. 

Quanto mais grave os fatos imputados a uma pessoa, mais direitos ela tem. 

A classificação por gravidade comporta 4 categorias: 

• Categoria I: Nenhuma infração – testemunha ou vítima 

• Categoria II: Suspeito, mas a infração não é passível de pena de prisão. 

• Categoria III: Suspeito de ter cometido uma infração passível de pena de prisão. 

• Categoria IV: Suspeito privado de liberdade. 

A convocatória sempre menciona a categoria e os direitos da pessoa convocada. 

Antes de começar o interrogatório, o policial, o inspetor, o fiscal ou o magistrado deve informar a pessoa de forma sucinta dos fatos que estão sendo investigados e que fazem o objeto do interrogatório. 

A partir da categoria III, a lei prevê a possibilidade de convocar a pessoa por escrito e transmitir junto com a convocatória a declaração dos direitos. Trata-se de uma possibilidade e não de uma obrigação. 

O que é obrigatório é a informação verbal dos direitos ANTES de se começar o interrogatório. 

Os direitos básicos da pessoa interrogada como suspeito são

• Não ser obrigada a acusar a si própria 

• Saber que as suas afirmações poderão ser utilizadas como prova processual 

• Poder solicitar que as perguntas e as respostas sejam transcritas textualmente 

• Poder solicitar que sejam realizados deveres de inquérito e audição de determinadas pessoas 

• Poder utilizar documentos que estejam em sua posse e pedir que sejam anexados ao processo 

A convocatória escrita, quando houver, deve mencionar que a pessoa será ouvida como suspeito e conter uma descrição sucinta dos fatos. A simples menção da infração penal, como por exemplo “furto qualificado”, “lesão corporal”, “homicídio”, não é suficiente, pois o objetivo da descrição dos fatos é permitir que a pessoa prepare o interrogatório com o seu advogado. 

Ao receber uma convocatória para um interrogatório, é sempre melhor consultar um advogado. Se as datas previstas para o interrogatório não convierem, é sempre possível solicitar uma outra data. 

As pessoas que não falam nenhuma das línguas nacionais têm direito também à assistência de uma intérprete. 

Em caso de prisão em flagrante, saibam que a Ordem dos Advogados organiza permanências de advogados que atuam de graça na defesa das pessoas que têm que prestar depoimento. 

Dra. Cecília Ronsse Nussenzveig 

Formada pela Faculdade de Direito da USP (São Paulo) em 1984. 

Obteve a equivalência do diploma pela Universidade Livre de Bruxelas (ULB) em 1996 

+32 02 646 39 30 

e-mail: nussen@brutele.be 

Avenue Louise, 207 – 1050 Bruxelas 

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