Separação total de bens para idosos?

Outro dia veio ao meu escritório um senhor belga idoso, que já estava divorciado há anos e gostaria de se casar novamente, pois havia conhecido uma moça estrangeira e, acabara por se apaixonar. Entretanto, a diferença de idade entre ele e a moça era de 35 anos.  

Entre outras perguntas durante a consulta, surgiu a questão de qual regime de bens iriam adotar para o casamento, que seria celebrado no Brasil, claro, pois na Bélgica seria praticamente impossível de se realizar tal enlace com tamanha diferença de idade entre os nubentes, visto que o Ministério Público impediria de ofício, supondo tratar-se de um casamento “em branco”, ou seja, com o objetivo de obter vantagem/documentos para a parte estrangeira. 

Pois bem, sendo o matrimônio realizado no Brasil, este estaria sujeito à legislação brasileira e o regime de bens escolhido deveria seguir o disposto no artigo 1.641 do atual Código Civil, a saber: 

Do Regime de Bens entre os Cônjuges 

“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: 

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; 

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010) 

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial”. 

Logo, segundo o Código Civil brasileiro, meu cliente estaria obrigado a se casar somente pelo regime da separação total de bens, visto que maior de 70 anos. É certo que, com tal dispositivo, o legislador quis proteger o patrimônio da pessoa que se encontra na terceira idade, afastando-o de pessoas buscando relacionamentos fugazes por interesse exclusivamente econômico. Entretanto, como ficaria a situação da outra parte, caso o parceiro viesse a falecer posteriormete? Ficaria ela desamparada? Meu cliente poderia dispor de parte de seus bens e fazer um testamento público, por exemplo, beneficiando seu cônjuge. 

Há exceções ao artigo 1.641, II do Código Civil? 

Felizmente, o Direito é repleto de lacunas e exceções, dependendo do caso a caso.  

De acordo com a decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, o regime da separação de bens não é obrigatório para idosos caso o casamento seja precedido de união estável, ou seja, o regime de separação de bens deixa de ser obrigatório no casamento envolvendo idoso se o casal já vivia um relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens. Exemplo: O cidadão A de 60 anos vivia em união estável com a cidadã B de 30 anos e os dois decidiram se casar após 10 anos de vida em comum, ou seja, ele já com 70 anos. Neste caso, o regime escolhido poderá ser o da comunhão parcial de bens, pois a relação já era duradoura. Ademais, segundo a Constituição Federal, a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, não faria sentido retroagir de regime (separação total de bens) com o advento do casamento, pois o casal já estava regido pela comunhão parcial de bens na união estável, do contrário seria uma incoerência jurídica. 

Jurisprudência 

Eis a ementa do acórdão, na supracitada decisão: 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. MATRIMÔNIO CONTRAÍDO POR PESSOA COM MAIS DE 60 ANOS. REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. CASAMENTO PRECEDIDO DE LONGA UNIÃO ESTÁVEL INICIADA ANTES DE TAL IDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 

1. O artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, previa como sendo obrigatório o regime de separação total de bens entre os cônjuges quando o casamento envolver noivo maior de 60 anos ou noiva com mais de 50 anos. 

2. Afasta-se a obrigatoriedade do regime de separação de bens quando o matrimônio é precedido de longo relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens, visto que não há que se falar na necessidade de proteção do idoso em relação a relacionamentos fugazes por interesse exclusivamente econômico. 

3. Interpretação da legislação ordinária que melhor a compatibiliza com o sentido do art. 226, § 3º, da CF, segundo o qual a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. 

4. Recurso especial a que se nega provimento. 

Fonte: www.stj.jus.br 

Dra. Ticiana Noronha  

Advogada Brasileira OAB/SC 18.904 

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